Desabafo pré-vacina (não é sobre medo de agulha)

Vou tomar a vacina amanhã. Isso é algo incrível, nem sei por quanto tempo sonhei com esse dia. Na verdade, sei: mais de quinhentos dias, por aí. Desde o momento que a OMS chamou a doença de COVID-19 e explicou que era extremamente contagiosa e não tratável com medicamentos. Venho sonhando com essa vacina por tanto tempo que uma sensação de alívio me preenche. No entanto, estou meio enjoada. Não pode ser que eu esteja tendo reações, porque elas só acontecem depois de tomar, certo? Ou existe reação pré-vacina? Pensando aqui… 

Não é reação da vacina, mas é reação da ansiedade, claro. 

O que acontece depois da vacina? No meu caso, já que é a primeira dose, esperarei pela segunda, em casa, usando máscara e me cuidando. Mas e depois de 100% imunizada? As coisas voltando ao normal, as pessoas voltando a se encontrar, eu podendo ser vista e enxergada… confesso que isso me assusta. Muito. 

No começo da pandemia, lembro que tudo que nós queríamos era voltar a ver uns aos outros. “Ai, que saudade de uma festinha!”, “não acredito que não vai ter carnaval…”, “eita, era só uma mesa de bar hoje e uns litrões de cerveja barata”. Provavelmente você falou alguma dessas frases. Bem, eu falei todas. Mais de uma vez, se você quer saber. No entanto, com o tempo fui me acostumando. Moro sozinha desde os meus 18 anos, mas ficar sozinha SOZINHA mesmo, aprendi durante o isolamento. Percebi que durante esses dias, aprendi muita coisa sobre casa e cozinha e bichos e limpeza e principalmente sobre mim mesma. Mudei muito, por dentro e por fora. Mas, cá entre nós, é bem mais fácil notar que uma pessoa mudou por fora do que por dentro, né? E quando as pessoas voltarem a ter contato comigo, elas vão ver que mudei… por fora. Isso me assusta um pouco. 

Um dia desse peguei um jeans que comprei em 2019 e não usava desde então, pois o adquiri para usar no meu antigo estágio. Provei, e ele não coube. Não fiquei chateada nem nada, dei de ombros e entendi que roupas que precisam caber em mim, não eu que preciso caber nas roupas. Juntei todos os jeans que não me servem mais e doei para caridade. Meu estilo na pandemia mudou muito, deixei de usar roupas apertadas e quanto mais confortável for a peça, mais feliz e bonita me sinto. Até decidi que iria abolir essa modalidade do meu guarda-roupa. NO MORE JEANS CLUB! e afins – a não ser que seja aquelas Wide Legs bem confortáveis e largonas. Coisa apertando minha barriga nem pensar. 

Enfim, abolir roupas desconfortáveis me parece uma ótima ideia. Só que hoje, um dia antes de tomar a vacina, tive vontade de usar um jeans. De vestir a roupa que usava um dia antes de anunciarem que estávamos vivendo uma pandemia – sim, eu lembro exatamente o que estava vestindo. De ser a pessoa que eu era antes disso tudo. Porque, no fim das contas, quem conhece a nova versão de mim sou eu, meu gato, meu namorado e as paredes da minha casa. As pessoas que vou voltar a encontrar – principalmente levando em conta que encontrarei pessoas do meu convívio e faixa etária no postinho de vacinação – conhecem a menina que eu era em 2019. Sim, menina mesmo, porque sinto que finalmente me tornei uma mulher adulta durante esses anos isolada, que me obrigaram a amadurecer na marra. 

Lidar com expectativas é bem complicado. Eu mesma não sei lidar muito bem, nem mandar elas irem embora. Na terapia eu aprendi o seguinte exercício: “se você não consegue se livrar das expectativas que possui, ao menos tente reduzir elas ao mínimo”. Funciona comigo. Mas se tem uma coisa que eu não sei lidar direito ainda e nem consigo controlar são as expectativas dos outros em relação a mim. E se as pessoas que vou voltar a ver esperarem que eu seja a mesma de antes? Se elas se frustrarem? Ou melhor, se não gostarem de mim e do que estão vendo de novo? 

Não sei. Tudo parece muito novo e sinto que teremos que voltar à época da escola, transição do fundamental para o ensino médio, onde tentávamos entender como socializar naquele ambiente diferente com pessoas totalmente mudadas e na flor da puberdade. É assustador e eu tenho bastante medo de encontrar pessoas por aí que não tenham a consciência que não vai ser fácil para ninguém, e que comentários mal pensados ferem bastante. Porque, de fato, meu corpo mudou muito. Meu cabelo não é mais liso, minhas estrias aumentaram e eu não uso mais as roupas de antes. Deixei de usar tanta maquiagem e cresci uns 2 centímetros – achei que era impossível depois de passar pela puberdade. Resumindo, mudei. Mas não foi apenas por fora que essa mudança aconteceu. Aqui dentro existe uma mulher mais resiliente, madura e que aprendeu a enxergar suas fraquezas de um modo gentil. Uma mulher que em meio à solidão, medo do amanhã e do presente que era tão assustador quanto, em meio de tanta saudade da família e dos amigos, encontrou uma companhia dentro do apartamento que se isolou, e nem falo dos meus gatos ou das conversas por FaceTime com colegas. Encontrei apoio em mim, e assim continuarei fazendo.

O amadurecimento que veio durante esses dias de pandemia veio de uma forma um tanto – ou muito – amarga. Porque foi acelerado. Ou amadurecíamos, ou… amadurecíamos. E assim fiz. Com isso tudo, tive contato com uma autocompaixão comigo mesma que nunca mais quero largar. Não consigo aceitar que alguém me diminua por conta da minha aparência, pelo número de calça que visto, ou por qualquer coisa. Sei que sou grande – em todos os sentidos – e tenho muito orgulho disso, de ter chegado até aqui. Viva. Calejada, mas ainda sim estou viva.

Pretendo continuar assim por muito tempo. 

Amanhã tomarei minha primeira dose da vacina. Apesar de não ter medo de agulha e ser bem resistente à dor, estou um pouco apreensiva. Mas com todos esses receios, me sinto feliz por estar aqui, ter superado tudo isso, ter sobrevivido pelos que foram embora. Com certeza vai ser difícil voltar a socializar, ver pessoas, mostrar meu novo eu e fazer com que as pessoas me conheçam assim… diferente. No entanto, tirarei de letra. Afinal, mesmo que você não tenha mudado tanto assim externamente por aí, podemos dizer que estamos mais fortes, no fim das contas? (Sem romantizar o sofrimento, claro, porque não precisaríamos passar por tanta coisa ruim – obrigada, sr. Presidente, pela sua péssima gestão.) Vivemos tantas coisas, aprendemos tanto, nos entristecemos tanto que penso que a caminhada daqui pra frente, mesmo que seja dificílima, será alcançável. Me sinto pronta! 

Não tenhamos medo de mostrar quem somos, afinal, mesmo mudadas, ainda somos nós mesmas. Fortes, maduras, e sobreviventes. Amanhã usarei uma calça folgada e uma camisa com alguma sacada militante. Que bom.

AH! PONTO IMPORTANTE AQUI! Tenho plena consciência de que essa abertura para outras pessoas voltarem a me ver por aí, em rolê e com minhas novas roupitchas, não vai ser agora agooooora. Nem depois que eu tomar a segunda dose. Vai demorar um pouquinho ainda, né. Quem sabe ainda dá tempo de mudar mais um bocado rs socorro


4 respostas para “Desabafo pré-vacina (não é sobre medo de agulha)”.

  1. Avatar de Sara
    Sara

    Esse texto foi um abraço, ❤

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    1. Avatar de Carol Figueiredo

      nhaaa um xero pra tu e um abracinho

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  2. Avatar de Vi
    Vi

    Que texto lindo é reconfortante… me sinto exatamente como você falou e é muito bom ter alguém que passa e sabe descrever isso tão bem. Você é luz, Carol! 💖

    Curtido por 1 pessoa

    1. Avatar de Carol Figueiredo

      ain, obrigada por chegar e somar. vi ❤

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